Recanto nem tão secreto de uma Ariana

Aceita um copo? Então sente-se, acomode-se e divirta-se.

24 agosto, 2008

Olhos violetas, olhos azuis.

Fic postada originalmente no ff.net em 07/04/2006. Música incidental "Roda Viva" de Chico Buarque.


Olhos Violetas, Olhos Azuis



27 de Março


Não sabia exatamente o que estava acontecendo comigo. Era meu aniversário e se eu pudesse ficaria escondido debaixo da cama, com todas as portas lacradas, sem uma fresta de luz a me informar que existe dia do lado de fora.

Minha vida andava uma merda, uma merda se eu fosse, no mínimo benevolente. Porque diabos não me deixaram morto, preso àquela rocha ridícula? Certamente eu estaria sofrendo menos. Ao sofrimento eterno de um santo eu já estava acostumado, mas o que vivia agora...

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
Eu sabia o que era a morte, o que era o sacrifício, mas não sabia viver, não sabia envelhecer, não sabia como ser engolido por este mundo. Não sabia sobreviver a ver tudo em que acredito mudar ou ruir. Não seria melhor ter morrido de verdade?

A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá

Eu queria realmente poder gritar, me rebelar, quebrar tudo, mudar e manter o status quo ao mesmo tempo. Queria ser dono de minha própria vida sem ter que me adaptar. Pode parecer egoísmo, mas quando sacrificamos tudo pelo mundo, deveríamos ter o direito de pedir um pequeno sacrifício por nós.
Eu fiz tudo. Eu dei tudo. E agora? O que me restou? Um Santuário em ruínas, notícias cada vez piores chegando de todos os lados, a ignorância, o esquecimento. Nem mesmo nossos deuses são lembrados ou honrados nesses tempos modernos. Se os tolos soubessem... Se eles tivessem a mínima idéia do que acontece nos bastidores...

Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

Eu nem sei porque ainda questionava tudo isso. São fatos. Fatos que ocorrem há milênios. Muito antes da minha existência. O mundo gira em torno de si mesmo, o tempo passa e joga a areia do esquecimento sobre o que realmente é importante. Mas o ser humano é tão vaidoso que é incapaz de ver que não somos nada, não valemos nada.

E o mundo continua a girar e eu aqui igual um tolo mais uma vez me questionando sobre a imutabilidade das coisas. Filosofando e me martirizando. De que vale? De que adianta? Pra que serve a minha vida?
A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá

Cansei, cansei de lutar, cansei de entregar minha vida para tolos ignorantes que nem mesmo acreditam na minha existência, cansei de tentar agradar a uma Deusa, ingênua, vaidosa e mimada, cansei de entregar meu coração a um homem arrogante, meticuloso e irritantemente burro no tocante a sentimentos. Joguei a toalha.
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá

Entreguei os pontos de vez. Eu desisti. Eu não queria mais tentar. Eu não queria mais me iludir. Eu não queria mais viver. Quantas vezes eu implorei? Quantas vezes eu gritei? Quantas vezes tentei nadar contra a corrente do destino? Inúmeras. Incontáveis. Hilariantemente inúteis. O destino sempre me mostrava que ele era mais forte que eu. Eu iria embora. Eu iria embora da vida, embora do mundo. Estava me despedindo no dia em que nasci. Quem sabe assim eu fechasse o ciclo estupidamente inútil da minha existência. Quem sabe assim pelo menos Ele se lembrasse de mim. Quem sabe eu consiguisse o descanso e a paz que tento almejava.

Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração
O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

Eu estava prestes a fazer a maior besteira que um ser humano pode fazer, dar fim a minha própria vida. Chegara ao limite do suportável e não conseguia lidar com tantas nuances, tantas reviravoltas, tantos “ses" e “senãos”, mas a vida ao mesmo tempo tão dura, tão cruel, também é capaz de nos surpreender de forma vela, de forma grandiosa.

Eu caminhava desesperadamente à beira do grande precipício que circundava minha morada particular e estava pronto a se atirar em um vôo letal. Não era o super-homem, sabia sim, era verdade, viajar a velocidade da luz, me teleportar, mas não sabia voar e era assim que queria acabar com minha própria vida, mergulhando no vazio, como se mergulhasse dentro de mim mesmo. Mas tudo que eu vivera até agora fora uma ilusão. Inclusive minha própria depressão fora uma funesta ilusão. Perniciosa, Fatídica.

Mais um passo. Era apenas um pequeno passo para o nada, para o descanso, para o esquecimento. Estava prestes a dá-lo quando senti algo suave tocando meu ombro.

- O que pretende fazer?

- Não parece óbvio? – não tinha mais que dar explicações, não tinha porquê ser educado.

- Você sabe que não foi isso que perguntei. Eu sei o que pretende fazer, mas não me parece digno de você.

- E o que é digno de mim? Esta vida de merda? Este sofrimento infindo?

- Eu pensei que era digno de você, mas vejo que estava redondamente enganado...

Pela primeira vez eu me virei e encarei os olhos azuis límpidos daquele que me impedira, que me segurara. Vi lágrimas, vi desespero, ou será que estava apenas vendo um reflexo do que mostrava meus próprios olhos?

- Se realmente está decidido a fazer o que estava prestes a executar, me permita ao menos acompanhá-lo.

- Você iria comigo?

- A qualquer lugar, de qualquer maneira, nem que fosse renegando a dádiva da vida recebida novamente.

- Eu te amo.

- Eu sei. E também te amo. Me perdoe por demorar tanto a perceber isso. Me perdoe por te fazer sofrer. Me perdoe.

Um abraço. Olhos violetas e olhos azuis se encontrando de verdade pela primeira vez. Unidos para sempre.
Frase do Dia

"Você nunca sabe que resultados
virão da sua ação. Mas se você não fizer nada, não existirão resultados."
( Mahatma Gandhi )

1 Comments:

  • At 9:50 PM, Blogger Lhu said…

    Você já havia comentado sobre esta fic comigo mas ainda não havia lido, sorry!!! -_-...

    É bonita... triste, mas bonita... gostei muito (ainda mais com minha carencia depressiva que toma conta do meu corpinho nos ultimos dias...)

    Te adoro mt... Mil beijos!

     

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