Recanto nem tão secreto de uma Ariana

Aceita um copo? Então sente-se, acomode-se e divirta-se.

29 agosto, 2008

Palavras no Papel

Uma one-shot curtinha do meu casal preferido... postada originalmente no ff.net em 30/06/2006



Palavras no Papel



A vida é tão engraçada, às vezes. Eu cresci quase sozinho, isolado em uma região montanhosa, de difícil acesso. Todos os dias olhava para a imensidão do céu, para as estrelas e sonhava em poder viajar, em poder sair dali, em conhecer mais. Um dia, quando eu menos esperava meus pais faleceram numa avalanche, depois de um dilúvio a tentar proteger-me. A perda deles, em si, foi bastante dolorosa e mais doloroso ainda foi me ver completamente sozinho, naquele enorme castelo, no alto da montanha. Continuei a tocar minha quase inútil vida afinal não tinha outra alternativa, cuidando do rebanho de carneiros, indo a vila trocar lã, leite, carne de carneiro e queijo por outros itens e lendo a maior parte do tempo. Sozinho... Sempre sozinho...

Um dia, me lembro deste lindo dia até hoje, minhas preces foram atendidas. Um grupo de pesquisadores chegou a minha propriedade, pediram para se instalar com o intuito de estudar constelações. Era o local ideal. Não havia cidades perto, não havia luz elétrica num raio de quilômetros quadrados, estávamos a grande altitude e o céu se descortinava límpido, azul, com estrelas brilhantes. O chefe dos pesquisadores, em troca da minha hospedagem, começou a me ensinar. Percebi que, com minhas observações, conhecia mais de astronomia do que jamais pudesse acreditar ser possível.

Foram anos e anos de estudo árduo. Sem tempo nem mesmo para respirar. Eu, que antes, nada tinha para fazer, agora não tinha tempo nem sequer para cuidar do jardim em volta do castelo, cujo mato crescia desordenadamente. Mas eu estava tão feliz. Feliz como nunca fora antes, nem mesmo quando meus pais eram vivos. Algumas vezes me repreendia ao pensar neles e me descobrir mais feliz naquele momento. O tempo foi passando. Acabei me formando por correspondência. Seria estupidez minha sair do lugar perfeito para pesquisas, com o melhor e mais renomado astrônomo da atualidade para ir me enfiar em um bolorento banco de universidade em algum lugar qualquer do mundo. Tirei um diploma "meia-boca" só para fins quase que estatísticos e para cumprir burocracia. Alguns meses depois de chegar o meu diploma, meu mestre também veio a falecer. Fiquei novamente sozinho. Sofri novamente a perda. Mas agora não estava tão sozinho assim. Tinha as estrelas para me acompanhar. Comecei a pesquisar as constelações e me interessei pelo zodíaco. Pela linha tênue que separa a Astronomia da Astrologia em determinado momento.

É um campo de trabalho que não é bem aceito pela comunidade acadêmica. Para os academicistas a Astrologia não passa de crendice e superstição popular e que muitos pseudo-videntes se aproveitam para ganhar dinheiro. Eu poderia realmente dizer que eles tem muita razão. Mas existem estudos realmente sérios. Existe muito de ciência por trás da “arte advinhatória”. E foi atrás desta ciência, da busca pela verdade – hoje tenho consciência que não existe uma verdade absoluta – que comecei as minhas viagens e peregrinações. Eu ganhara muito dinheiro, tendo recebido de herança todo legado de meu mestre além de meus próprios trabalhos acadêmicos e descobertas terem me garantido bons fundos. Quando eu achava que estava precisando de um trocado, fazia algumas conferências, até mesmo para me divertir um pouco. A minha própria figura já era motivo de estranheza. Muitas vezes eu ouvia cochichos pelos corredores tais como: “só podia ser discípulo de quem era mesmo... se fosse filho não seria tão parecido, tão esquisito e tão inteligente quanto Shion.” Eu só podia sorrir, para mim era um enorme elogio ser comparado e equiparadoa Shion.

Depois de um ciclo de conferências na Europa e América, resolvi voltar para a Ásia – que era o meu lugar – e descansar um pouco, voltando´às minhas pesquisas “secretas”. Por mais que convivesse com o Ocidente, eu sempre seria Oriental, sempre seria Tibetano. Sempre seria hinduísta e sempre acreditaria que a ciência é importante sim, mas que se os Deuses quiserem subvertê-la, eles o fariam. Desta vez, antes de voltar para meu Castelo no Tibete, fui peregrinar pela Índia. Foi quando o conheci.

Já conhecera muita gente, desde que passara a dar palestras e participar de conferências. Mas nunca vi ninguém tão lindo. Tão perfeito. Tão... tão... tão... Shaka. Eu nunca me preocupei com o meu coração. Na realidade nem sabia que ele existia. Assim como nunca me preocupei com questões simples como sexualidade. Para mim, sempre foi indiferente se a relação era hetero ou homo, bastava que existisse amor. Mas, como tudo mais em minha vida, estas considerações eram meramente teóricas. Isto, até conhecê-lo. Me apaixonei, me perdi e me achei...

- Mu, por Buda, será quem nem nas férias você é capaz de largar a caneta e o papel.

- Desculpe, não resisti. Acho que deve ter algum tipo de imã entre minha mão e a caneta.

- O que está escrevendo desta vez, mas alguma teoria? Seu mapa astral não fala de nenhuma descoberta mirabolante, pelo menos não nos próximos quinze dias...

Shaka se debruçou sobre o ombro de Mu e arrancou o caderno da mão dele, lendo as linhas rascunhadas a esmo.

- Hummm, o grande intelectual agora resolveu virar romancista? Mas que coisa mais piegas ou mais presunçosa, começar com a própria biografia.

- Às vezes você é insuportavelmente irritante, sabia?

- É claro que eu sei. E adoro isso. Você fica lindo irritado. Adorei a parte do apaixonado, sabia. Até que seu estilo não é dos piores, mas podia melhorar um pouco...

Mu arrancou o caderno das mãos de Shaka e o jogou em um canto qualquer.

- Deixa pra lá, seu virginiano perfeccionista, ninguém vai ler isso mesmo.

- Eu sou ninguém?

- Não era nem mesmo para você ter lido, mas como é enxerido mesmo... Se quiser continuar a ler, vai ter que aturar meu estilo. Mas agora tenho uma idéia melhor...

Mu abraçou Shaka e começou a beijar seu pescoço. O louro imediatamente ficou todo arrepiado.

- Sabe, tem coisas que você faz bem melhor do que escrever.

- Acha então que poderia ganhar dinheiro com meus outros talentos?

- Mu! Não ouse nem pensar em algo assim. Se eu ver estes dedos alvos e belos encostando em alguém além de mim, eu juro que sou capaz de cometer um assassinato sem dó nem piedade.

- Eu escondo suas lentes de contato, assim você não vai ver, se eu encostar em alguém.

- Sem graça, ainda bem que é astrônomo e não humorista, senão eu teria que vender milhares de mapas astrais para que conseguíssemos nos alimentar, se bem que eu poderia também catar os tomates que, com certeza, você seria alvejado.

- Você fica lindo com ciúmes. Que tal um passeio?

- Eu estava pensando em outra coisa.

- Safado. Temos todo tempo do mundo pra isso. Mas o dia está belo, o sol lindo, a areia fofa e faz anos que não tiramos férias. Queria aproveitar.

- Que seja! Vamos aproveitar então. Deixe-me calçar os chinelos.

Mu pegou novamente o bloquinho esperando Shaka. Sabia que o “calçar os chinelos” era um ritual que demoraria no mínimo, com sorte, meia hora mas valia a pena esperar.

"Desde a primeira vez que o vi, sabia que ele seria meu, e foi. Já estávamos juntos há anos, mas não me cansava de olhar para aquela figura diáfana, loira, um escultural corpo perfeito com os músculos nos lugares certos. Agora ele me aparecia naquela sala, com uma bata de algodão cru, aberta no peito, calças pescador de algodão cru também, sandálias de couro rasteiras, algumas pulseiras artesanais de palha, e os longos cabelos soltos e escovados. Ele tirou as lentes de contato, dizia que a maresia e o vento ressecavam as lentes e isso o incomodava, seus belos olhos azuis estavam escondidos atrás de óculos de aro de tartaruga mas, secretamente, eu adoro quando ele está de óculos - seria um completo suicida se falasse isso. "

- Vamos? – Shaka esticou a mão para Mu, a convidá-lo.

- Vamos! - Mu não pensou duas vezes. Certos convites eram raros como pedras preciosas e não deviam ser desperdiçados.

A praia, o sol, a areia, o mar, a água de coco gelada, o vento bagunçando os cabelos. A vida era perfeita para Mu. Ele caminhava ao lado de Shaka pela orla, pensando e admirando um dos mais belos espetáculos da natureza. O mundo, os deuses, foram muito generosos com ele. De repente, ele parou, virou-se para Shaka em um rompante de romantismo piegas.

- Eu te amo, sabia?

Frase do dia
"Usamos os espelhos para ver o rosto
e a arte para ver a alma."
( George Bernard Shaw )